quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

JOSÉ OSÓRIO, DESEMBARGADOR DO TJ: REINTEGRAÇÃO DO PINHEIRINHO ERA INCONSTITUCIONAL







Folha de São Paulo, 9 de fevereiro, Tendências e Debates.





"Decisão judicial não se discute, cumpre-se? Apenas em casos
corriqueiros, mas não quando pessoas indefesas são atingidas; o direito
não é monolítico"





 


Ainda o Pinheirinho



Decisão judicial não se discute, cumpre-se? Apenas em casos
corriqueiros, mas não quando pessoas indefesas são atingidas; o direito
não é monolítico

Os fatos são conhecidos: uma decisão judicial de reintegração de posse
sobre uma favela. A ocupação começou em 2004, por pessoas necessitadas
de moradia.





Segundo a Folha, a proprietária obteve reintegração liminar em
2004. Durante um imbróglio processual, os ocupantes permaneceram. Em
2011, uma nova decisão ordena a reintegração. Foi essa a ordem que o
Poder Executivo cumpriu no dia 22 de janeiro, com aparato policial,
caminhões e máquinas pesadas.





A ordem era, porém, inexequível, pois, em sete anos, a situação concreta
do imóvel e sua qualificação jurídica mudaram radicalmente.





O que era um imóvel rural se tornou um bairro urbano. Foi estabelecida
uma favela com vida estável, no seu desconforto. Dir-se-á que a execução
da medida mostra que a ordem era exequível. Na verdade, não houve
mortes porque ali estava uma população pacífica, pobre e indefesa.





Ninguém duvida da exequibilidade física da ordem judicial, pois todos
sabem que soldados e tratores têm força física suficiente para "limpar"
qualquer terreno.





O grande e imperdoável erro do Judiciário e do Executivo foi prestigiar
um direito menor do que aqueles que foram atropelados no cumprimento da
ordem.





Os direitos dos credores da massa falida proprietária são meros direitos
patrimoniais. Eles têm fundamento em uma lei também menor, uma lei
ordinária, cuja aplicação não pode contrariar preceitos expressos na
Constituição.





O principal deles está inscrito logo no art. 1º, III, que indica a
dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República. Esse
valor permeia toda a ordem jurídica e obriga a todos os cidadãos,
inclusive os chefes de Poderes.





As imagens mostram a agressão violenta à dignidade daquelas pessoas.
Outro princípio constitucional foi afrontado: o da função social da
propriedade. É verdade que a Constituição garante o direito de
propriedade. Mas toda vez que o faz, estabelece a restrição: a
propriedade deve cumprir sua função social.





Pois bem, a área em questão ficou ociosa por 14 anos, sem cumprir função
social alguma. O princípio constitucional da função social da
propriedade também obriga não só aos particulares, mas também a todos os
Poderes e os seus dirigentes.





O próprio Tribunal de Justiça de São Paulo já consagrou esse princípio
inúmeras vezes, inclusive em caso semelhante, em uma tentativa de
recuperação da posse de uma favela. O tribunal considerou que a retomada
física do imóvel favelado é inviável, pois implica uma operação
cirúrgica, sem anestesia, incompatível com a natureza da ordem jurídica,
que é inseparável da ordem social. Por isso, impediu a retomada. O
proprietário não teve êxito no STJ (recurso especial 75.659-SP).





Tudo isso é dito porque o cidadão comum e o estudante de direito
precisam saber que o direito brasileiro não é monolítico. Não é só isso
que esse lamentável episódio mostrou. Julgamento e execução foram
contrários ao rumo da legislação, dos julgados e da ciência do direito.





Será verdade que uma decisão tem de ser cumprida sempre? Só é verdade
para os casos corriqueiros. Não para os casos gravíssimos que vão
atingir diretamente muitas pessoas indefesas.





Estranha-se que o governador tenha usado o conhecido chavão segundo o
qual decisão judicial não se discute, cumpre-se. Mesmo em casos menos
graves, os chefes de Executivo estão habituados a descumprir decisões
judiciais. Nas questões dos precatórios, por exemplo, são milhares de
decisões judiciais definitivas não cumpridas.









2 comentários:

  1. Zair Palhares me pede para postar este comentário

    São Paulo, 12.02.12.
    Prezado Jairo Salvador,
    Primeiramente, eu quero dizer que admiro o seu exercício digno de sua Função Pública. Eu moro na Capital de São Paulo e sou servidora pública do Poder Judiciário Federal. Eu concordo plenamente com o que o Sr. disse na audiência pública na ALESP no sentido de que esse episódio tem que ter conseqüência para os mandantes e tenho tentado pensar de que maneira poderemos marcar mensalmente essa data para cobrar das instâncias competentes a responsabilização do Tribunal de Justiça de São Paulo, da Juíza Márcia Loureiro e do Juiz Rodrigo Capez, no âmbito do Judiciário e do Governo do Estado de São Paulo e sua Polícia Militar (cabe aqui o questionamento se todos aqueles que estavam lá uniformizados eram realmente policiais – não creio que temos tantos maus policiais assim) que, não só não tentaram evitar uma tragédia, respeitando a trégua que havia sido acordada, como a patrocinaram ostensivamente. Acho que realmente este caso do Pinheirinho deve ser acompanhado pois a ação de ambos foi se utilizar da tática do "fato consumado" (as pessoas já não estão mais lá e as casas estão no chão – só faltou salgarem o terreno e colocar algumas cabeças em postes) e instalar o terror nos cidadãos. Todas as violações de direitos são graves mas, no caso do Pinheirinho eu creio que seja pior pois eles esperam que esse terror tenha uma função didática perversa - uma ação dessa natureza ser cumprida num domingo, com as pessoas acordando, e despreparadas por terem acreditado que estavam protegidas pela Lei. Eles calcularam todos os riscos e sentiram-se seguros, já quem contam com a "parceria" da imprensa "oficial" para distorcer os fatos, encobrir a verdade e rapidamente colocar uma pá de cal sobre o assunto. Distorção que provoca os discursos equivocados do tipo: "Tá com pena, então leva eles para sua casa" (sem-teto, sem-terra, indígenas ou desempregados). Eu não quero e nem tenho esse dever, e nem creio que as pessoas que lutam por moradia, por terra para trabalhar; por terras ancestrais, querem morar ou viver "de favor" em qualquer lugar, por isso elas lutam por algo que seja seu. Não é favor, é DEVER DO ESTADO. Todos esses políticos disputam ferozmente para ganhar esses mandatos e depois se ocupam de acomodar seus interesses e interesses outros que não o dos cidadãos. Acho que eles tem que ser julgados e condenados por esse injustificável CRIME HEDIONDO DE ESTADO. Os acontecimentos ao redor do mundo mostram que vivemos tempos de retrocesso político e social. É realmente preocupante ver um Juiz íntegro ser condenado quando criminosos Privados e Públicos, como Bush e outros ficam impunes. Precisamos fazer nossas correntes, Municipal, Estadual, Nacional e Mundial contra esse fascismo crescente e a total insegurança jurídica.
    Obrigada e espero que possamos manter contato. Zair

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  2. E também este, dirigido ao CNJ

    São Paulo, 12.02.2012.
    Ao
    CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

    Pelo presente, venho solicitar as providências desse Conselho no que diz respeito à investigação da atuação da Juíza Márcia Loureiro, do Juiz Rodrigo Capez e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no episódio da violenta ação levada à cabo pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, em cumprimento de decisão por ela proferida, que foi totalmente contrária ao espírito da primazia da solução negociada, tão amplamente defendida por essa Instituição.
    É sabido que havia um intenso processo de negociação em curso nos últimos dias que antecederam aquela nefasta e sinistra ação do Estado, sendo injustificável a ânsia desses entes públicos em efetivar o cumprimento daquela decisão, ainda mais tendo-se em conta que sequer foram providenciados alojamentos dignos e garantia de proteção dos integridade física, psíquica e emocional de crianças, idosos e pessoas com necessidades especiais (o Defensor Público de São José dos Campos, Jairo Salvador, deu depoimento na Audiência Pública na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo com detalhes das graves irregularidades).
    O que se praticou foi a conhecida tática do “fato consumado”, com as pessoas expulsas, as casas destruídas, o trauma e o terror instalado naqueles cidadãos, pouco importando qual será o destino deles. A ação de nossa Justiça e de nossa Polícia se reveste de uma presteza e gentileza intrigantes para entregar o terreno “limpo” para o seu dono.
    Fica ainda a dúvida sobre se o contingente presente no local seria mesmo de Policiais Militares eis que, apesar de uniformizados, grande parte não portava identificação.
    Essa violência, praticada com o “amparo legal” dado pela Juíza Márcia Loureiro, pelo Juiz Rodrigo Capez e pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, insensíveis ao destino daquelas pessoas, me traz à lembrança um episódio trágico da história da humanidade, em que se afirma que Hitler, em 1939, teria pronunciado a frase: “Afinal quem fala hoje do extermínio dos armênios?”, às vésperas da invasão da Polônia.
    Espero ansiosamente, que o esquecimento não seja o destino desse episódio lamentável, deplorável, execrável da história de nosso País.

    Atenciosamente,
    Zair Palhares

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