quinta-feira, 30 de junho de 2011

A Internet, as redes sociais, Rousseau e a Vontade Geral



Há algum tempo descobri que o verdadeiro forjador do mundo contemporâneo foi Jean-Jacques Rousseau.

O
leitor pode pensar em qualquer tema relevante da modernidade e estará
falando de Rousseau. Eles estão tão incorporados à nossa cultura que
sequer conseguimos imaginar um mundo em que não existissem ou
identificar sua gênese em Rousseau.

Sociologia? Discurso sobre a
Desigualdade. Antropologia? Discurso sobre a Desigualdade. Linguística?
Discurso sobre a Desigualdade. Filosofia Política? Contrato Social.
Pedagogia? Emílio. Ecologia, as lutas sociais (a ideia de que a
sociedade é o mal e precisa ser transformada), representação política,
vontade geral, etc.

Hoje a coluna de Clóvis Rossi na Folha traz
uma frase de Daniel Innerarity, catedrático de Filosofia Política e
Social: “há um assalto generalizado contra a ideia da intermediação.
Está se instaurando uma visão segundo a qual a vontade geral é algo que
se pode construir sem instituições intermediárias”.

No Contrato
Social Rousseau diz que a vontade não se representa, é ela mesma ou não
é. Que o povo inglês pensa que é livre porque a cada 4 anos elege seus
representantes, mas volta a ser escravo nesse meio tempo (cito de
memória).

As redes sociais e a internet, dois séculos depois,
dão razão a Rousseau. A ideia de intermediação política pela via da
representação mostra-se mais e mais uma falácia. As pessoas se
organizam, vão às ruas, ignoram parlamentos, partidos, e postulam a
vontade geral.

Como dizia Rousseau.


quarta-feira, 29 de junho de 2011

Marcelo Semer e a Intolerância Religiosa


                                      


Excelente texto do Marcelo Semer no Terra. Dá ensejo para lembrar um dos conceitos importantes do filósofo político norte-americano John Rawls, o de consenso sobreposto. A idéia é que um grupo, ainda que seja maioria, não pode impor à sociedade sua convicções metafísicas, morais ou religiosas, preservando-as para si, e assim todos os demais grupos. Abre-se um espaço para a vida democrática, para um acordo entre tais grupos - por isso consenso sobreposto - na esfera pública em que todos podem conviver democraticamente. A única exigência é que esses grupos tenham tolerãncia, razoabilidade e racionalidade, o que evidentemente não se pode vislumbrar na genial mente de Miriam Rios e outros da mesma espécie. A democracia tem que ser construída pela educação da sociedade, e vai demorar...


 


 



                                    Cruzada religiosa combate direitos civis dos gays







O vereador Carlos Apolinário, ligado à Assembleia de Deus, apresentou proposta para criar em São Paulo, o dia do "orgulho hetero", levando o projeto para votação às vésperas da Parada Gay.







A Marcha para Jesus virou palco de repúdio à decisão judicial que garantiu a união estável homoafetiva, tendo como principal estandarte que "o verdadeiro Supremo é Deus".







A deputada Myriam Rios, hoje missionária católica, fez pronunciamento na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro propagando a expressão "orientação sexual pedófila". Dizia ter medo da proximidade de uma babá lésbica a filhas pequenas ou do assédio de um motorista travesti sobre seus meninos.




Porque a incorporação de direitos civis aos homossexuais está incomodando tanto assim aos ativistas da religião?







Não são eles os primeiros que deveriam se destacar pela defesa do amor, da solidariedade e do abrigo aos mais vulneráveis?







Onde estão as tradicionais preocupações com desigualdades sociais e manifestações de fraternidade?







Há quem diga que os grupos religiosos se sentiram intimidados com a proposta de criminalizar a homofobia.







Paradoxo dos paradoxos, pois a punição do preconceito é justamente o combustível para a liberdade de crença.







Em algum lugar do mundo, membros das mais diversas religiões já sentiram na pele o terror do preconceito e da intolerância. Como reproduzi-lo, então?




Depois da decisão do STF que autorizou a Marcha da Maconha, reconhecendo o legítimo direito à manifestação, muitos disseram em um misto de birra e revolta: se vale defender a maconha, vale falar qualquer coisa. Acabou-se a mística da homofobia.




É uma ideia equivocada.







Como bem explicou o ministro Celso de Mello, em voto primoroso, a liberdade deve ser garantida para expressar os mais diversos pensamentos. Mas nunca para ferir -o Pacto de San José da Costa Rica, que o país subscreveu, exclui do âmbito protetivo da liberdade de expressão todo estímulo ao ódio e ao preconceito.




Propor a legalização da maconha é legal. Dizer que os homossexuais são promíscuos, não.




Reverenciar o "orgulho hetero" também não é o mesmo que fazer uma parada gay -assim como prestigiar a consciência negra não se equipara em louvar o "orgulho branco", típico dos sites neonazistas.




A diferença que existe entre eles reside na situação de poder e de vulnerabilidade.







Os movimentos negros e gays se organizam pela igualdade e procuram combater a discriminação - o "poder branco", memória do arianismo, busca exatamente reavivá-la. Não quer igualdade, quer supremacia.




Basta ver que a proposta do "orgulho hetero" se impõe como um resgate da "moral e dos bons costumes", tal como uma verdadeira cruzada.




Por fim, mas não menos importante, a absurda vinculação entre homossexualidade e pedofilia.







Não é grave apenas pelo que mostra -um profundo desconhecimento da vida. Mas, sobretudo, pelo que esconde.







Jogar o defeito no outro, no diferente, naquilo que não nos pertence, é o primeiro passo para esconder o mal que nos cerca, e assim evitar sua punição.







Em vinte e um anos de judicatura criminal, vi inúmeros padrastos molestaram sexualmente suas enteadas, tios violentarem suas sobrinhas e até mesmo pais condenados por estupros seguidos em meninas de menos de dez anos. Na grande maioria dos casos, os crimes são praticados por heterossexuais.







Não se trata de tara, perversão ou qualquer outro atributo de fundo moralista. É simplesmente violência.







Misturar as estações não é ruim apenas por propagar um preconceito infundado. Mas por nos distanciar do problema e, em consequência, da solução.




Quando um dogma supera as lições que a vida nos traz, quando o apego à filosofia é maior que o amparo a dor, quando até o sempre solidário cerra os punhos, um sinal de alerta se acende.




É preciso relembrar que somos todos humanos.






Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.







terça-feira, 21 de junho de 2011

Anistia: punição a torturadores é uma coisa; Comissão da Verdade é outra



Por ocasião da decisão do STF considerando válida a Lei da Anistia publiquei o artigo que segue. Naquele momento, a Corte Interamericana ainda não havia julgado o caso Araguaia. Preocupa neste momento a idéia de que basta a Comissão da Verdade para resolver o conflito. Não basta. A consciência democrática exige o cumprimento das normas que dizem respeito aos crimes contra a Humanidade. Ou a ditadura acabou ou não acabou. Na Argentina e no Uruguai acabou. Aqui parece que não conseguimos nos livrar dela.





   O ministro Eros Grau iniciou seu voto condutor no julgamento sobre a Lei da Anistia com uma concepção doutrinária que lhe é cara: a distinção entre texto normativo e norma. Se o texto normativo diz que “é proibido o trânsito de veículos no parque”, o juiz pode extrair deste enunciado várias normas. Pode dizer que uma bicicleta é um veículo ou pode dizer que uma bicicleta não é bem um veículo. De plano, neste singelo exemplo, já extraímos duas normas de um só texto. O que o juiz faz é optar por uma delas, com base em razões assentadas em valores sociais (que tendem a reproduzir valores expressivos ou dominantes na sociedade), conceitos jurídicos formais, concepções culturais e filosóficas, mas também em meras escolhas políticas. Simplesmente opções políticas, que podem determinar (tratando-se de julgamento do Supremo Tribunal Federal) tanto o rumo da República quanto o destino de nosso patrimônio, de nossa liberdade, de nossa integridade física, espiritual e cultural como indivíduos ou como povo.





   Vamos então dar um salto para a parte final do voto do ministro Eros. Disse ele: somente o Congresso pode rever a lei de anistia e estabelecer aquilo que a OAB pedia ao Judiciário. Somente o Congresso pode afirmar que os crimes contra a humanidade — torturas, homicídios, desaparecimentos forçados, crimes sexuais, etc. — cometidos pelos agentes do Estado ao longo da ditadura militar não tinham conexão com os crimes políticos e não foram anistiados. O que nos leva a concluir que o ministro Eros recusou-se a fazer o que o professor Eros ensina que os juízes façam: extrair uma norma do texto normativo e julgar. Não há contradição entre as duas pontas do voto. Eros Grau, ao fim e ao cabo, decidiu não decidir. Fechou as portas do Judiciário e nos remeteu ao bispo — no caso, o Legislativo.





   Na verdade, isto não seria nenhuma anomalia teórica. Tem um nome e uma longa tradição na história das ideias. O nome da rosa é Razão de Estado e o leitor logo compreenderá do que estou falando: Maquiavel foi um de seus formuladores. Em determinados momentos da vida de um Estado, as circunstâncias exigem que normas jurídicas, regras morais e preceitos importantes para a convivência social sejam deixados de lado a bem da segurança política. Em suma, o que é central e o que realmente interessa no voto de Eros, deixando de lado razões subsidiárias e recursos retóricos, é este ponto: fez-se um acordo político para a transição para a democracia e, como em todo acordo, as partes entregam uma coisa para conseguir outra. O Judiciário não desfará esse acordo. Ponto final.





   Sou amigo do ministro Eros e sei de sua trajetória e bagagem intelectual como professor e juiz. Mas pessoas honestas e razoáveis podem ter divergências honestas e razoáveis, ainda que profundas e irreconciliáveis, e parte indissociável da ideia de amizade é o respeito às convicções do outro. Sei a força que tem a ideia de Razão de Estado e as razões teóricas que levam alguns a entender que às vezes pode ser justificada, ainda que na imensa maioria dos casos eu tenda a discordar. Intuo como isso pesou em seu voto. No entanto, se vivesse até o final dos tempos não mudaria de ideia sobre duas coisas relativas à ordem de considerações que motivou o Ministro. Uma fática, outra moral.





   A fática: a Lei de Anistia não tem absolutamente nenhum resquício deste contexto de transição política e acordo para a democracia, que só teríamos cinco anos depois, quando milhões de brasileiros foram às ruas exigindo eleições diretas (o que a ditadura militar não deu...). Foi apenas produto de uma estratégia política da ditadura. Jamais de transição para a democracia. Ditada pelo regime militar a um Congresso ilegítimo e impotente, desprovido da elementar condição necessária para pactuar — a liberdade política — sabem até as pedras da rua que o regime militar a promulgou como e quando lhe interessava, visando não a segurança jurídica e política da República, mas a segurança política e jurídica de seus agentes criminosos e a sua própria sobrevivência, para a qual convinha naquele momento um certo afrouxamento diante da resistência e clamor social contra o arbítrio. Não é possível denominar isto de acordo de transição sem violentar a História.





   A moral: a partir do Iluminismo, tudo que se construiu para chegar a um estágio mínimo de civilização teve o sentido de impor limites à Razão de Estado. Democracia, direitos e garantias políticas e sociais e direitos humanos são formas normativas de exercer poder junto ao Poder, seja em modo negativo, seja em modo positivo, determinando que o Estado faça ou deixe de fazer. Devemos aqui também dar o nome à coisa. O nome da rosa é dignidade humana. Segundo o conceito filosófico clássico, que devemos a Kant, significa que há formas de tratar um homem que são inadmissíveis em qualquer hipótese. Não tem preço e não pode ser negociada. Não há Razão de Estado que permita transigir com a dignidade humana. O Estado não pode torturar aviltando no mais alto grau a humanidade do outro. O Estado não pode fazer desaparecer as pessoas, condenando seus próximos a indizível sofrimento e marcando para sempre suas vidas. O Estado não pode acobertar crimes sexuais cometidos em seus porões e toda sorte de crueldades praticadas por seus agentes. Se o Judiciário, chamado a dizer que isto tudo não pode omite-se, deixa de cumprir sua básica função constitucional republicana. Instrumentos jurídicos existiam.




   O ponto final deve ser sempre a dignidade humana. Nunca houve aquele “acordo”. E se acordo houvesse, seria nulo de diante da cláusula pétrea da dignidade humana a partir de 5 de outubro de 1988.












terça-feira, 7 de junho de 2011

O Discurso de um Soldado Americano - A Denúncia da Guerra como Instrumento do Capitalismo


   No vídeo do youtube consta que o soldado teria morrido dois dias depois do discurso. Pesquisei e parece não ser verdade. Está vivo e fundou uma organização pacifista. O discurso é imperdível. Clara, direta e contundente denúncia da guerra como instrumento do capitalismo



  

sábado, 4 de junho de 2011

Palocci, o homem do mercado

Não gastem vela com mau defunto. Palocci já foi. Nada a lamentar. Era o homem do mercado. Sempre que esteve no governo cumpriu esse papel. Ótimo que saia. Além do mais, apenas entre nós: ética não tem partido. Quem falou de Paulo Preto não pode se contorcer para defender Palocci. Abraços e bom fim de semana. Cordialmente, um cidadão brasileiro