quinta-feira, 28 de abril de 2011

ANISTIA: O CONFLITO ENTRE O STF E A CORTE INTERAMERICANA


O Valor Econômico publica na edição de 28 de abril  artigo que escrevi sobre o conflito entre a decisão do STF e a decisão da Corte Interamericana acerca da validade da Lei de Anistia



Leia o artigo aqui

domingo, 24 de abril de 2011

Fotos do Genocídio Armênio





24 de abril - dia de lembrar o genocídio armênio


1. ¿Qué es el Genocidio Armenio?




Las atrocidades cometidas
contra el pueblo Armenio por el Imperio Otomano y el Estado de Turquía
durante el transcurso de la Primera Guerra Mundial y años anteriores y
posteriores a ésta, son llamadas en su conjunto el Genocidio Armenio. El
Genocidio es una forma organizada de matanza de un conjunto de personas
con el objetivo explicito de ponerle fin a su existencia colectiva.
Esto requiere un planeamiento central y una maquinaria organizada para
implementarlo haciendo que el genocidio sea un prototipo de crimen de
estado, ya que solo un estado cuenta con los recursos necesarios para
llevar a cabo tal destrucción. El Genocidio Armenio fue planeado y
administrado centralmente por el Estado de Turquía contra toda la
población Armenia del Imperio Otomano. Fue llevado a cabo durante la
Primera Guerra Mundial entre los años 1915 y 1918. El pueblo Armenio fue
sujeto a deportaciones, expropiaciones, secuestros, tortura, masacre e
inanición. La gran mayoría de la población Armenia fue forzosamente
removida desde Armenia y Anatolia a Siria, donde una gran parte de la
población fue enviada al desierto para morir de hambre y sed. Gran
número de Armenios fueron masacrados metódicamente a lo ancho y largo
del Imperio Otomano. Mujeres y niños fueron raptados y brutalmente
abusados. Toda la riqueza del pueblo Armenio fue expropiada. Después de
menos de un año de calma al final de la Primera Guerra Mundial, las
atrocidades contra el pueblo Armenio fueron reanudadas entre 1920 y
1923, donde los restantes armenios fueron victimas de más masacres y
expulsiones. En 1915, treinta años antes de que la Organización de las
Naciones Unidas adoptase la Convención sobre la Prevención y Castigo de
los Crímenes de Genocidio, la comunidad internacional condenaba el
Genocidio Armenio como un crimen contra la humanidad.

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sábado, 23 de abril de 2011

Manifesto de Economistas Defende Controle de Capitais


Um grupo de economistas dos Estados Unidos e de outros países enviaram
um manifesto à secretária de Estado, Hillary Clinton, ao secretário do
Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, e ao embaixador Ron Kirk, do
Escritório de Comércio dos EUA, defendendo a adoção de mecanismos de
controle de capitais especulativos como instrumento para enfrentar a
crise financeira global (de Carta Maior)


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quarta-feira, 20 de abril de 2011

Nosso dinheiro dos impostos às vezes vai parar no potinho do final do arco-íris



      Em 2009 o Estadão publicou este artigo meu que segue abaixo. Na época o Secretário da Fazenda do Estado propôs um negócio em que as dívidas dos impostos (aquela parte do preço da mercadoria que nós pagamos e que não vai parar nos cofres públicos porque o empresário não paga ao fisco) seriam transformadas em títulos negociáveis no mercado financeiro. O projeto, que fere a moralidade pública em vários aspectos,  empacou na Assembléia Legislativa. O Secretário da Fazenda do Estado na época é agora Secretário Municipal de Finanças e, segundo o Estadão, quer ressuscitar a idéia para o município. Então me pareceu oportuno ressuscitar também o artigo.











                                          EM DEFESA DO ESTADO










      Quem passa pela rua Boa Vista, no centro de São Paulo, vê um imenso painel com números em um crescendo alucinante. São doze dígitos, expressando cifra de bilhões. Pertence à Associação Comercial de São Paulo, e quer mostrar ao povo quanto ele está pagando de impostos por ano.





      Para informar mais corretamente a população, deveria haver um segundo painel abaixo desse. Um que mostrasse, também em ritmo alucinante, o volume do que o Estado tem deixado de arrecadar por políticas fiscais benevolentes.





      E ainda um terceiro, para que a informação fosse ainda mais precisa, mostrando o volume de impostos pagos pelos contribuintes de fato – nós, o povo – retido por inadimplentes com o fisco e premiados com parcelamentos e descontos tão generosos que alcançam, praticamente, o surgimento da geração seguinte.





      Os tributos compõem o preço dos produtos e serviços oferecidos ao adquirente final. O empresário é intermediário dessa apropriação do excedente econômico que caracteriza o Estado moderno.





      Nem sempre o Estado obtém a apropriação do excedente. No meio do caminho, por vezes, o empresário a retém e vem sendo, no entanto, premiado pelo Estado. O Refis, criado pelo governo federal em 2000, inaugurou a prática de parcelamentos infindáveis de tributos. Governos estaduais e municipais fizeram seus próprios “refis”. O do Estado chama-se Programa de Parcelamento Incentivado- PPI, e permite que o ICMS, declarado pelo próprio contribuinte de direito, ou seja, o agente econômico, que deveria recolher o tributo que embutiu no preço, seja parcelado em até 15 anos, com renúncia parcial do Estado às multas e aos juros determinados pela legislação tributária.





      O governo do Estado pretende agora mais uma medida do gênero. Enviou à Assembléia Legislativa o projeto de lei 749 para “securitizar” esses débitos parcelados. Isto quer dizer que o Estado cederá o crédito desses parcelamentos a investidores do mercado financeiro para antecipar receita.





      É uma operação temerária juridicamente. Trata-se de uma clássica operação de crédito, como tal definida pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas o projeto de lei – muito defensivamente, aliás – procura por todos os meios descaracterizá-la como tal por meio de nomenclatura artificial. Isto porque, se reconhecesse que é operação de crédito, deveria submetê-la às autoridades monetárias federais para que não seja atingido o limite de endividamento do Estado. Mas nomes não mudam a realidade, nem transformam magicamente conceitos jurídicos. O nome da rosa é só um nome, mas seu perfume a torna imediatamente reconhecível. Como o Estado terá sempre que prestar garantia por força do Código Civil (art. 295), que não pode ser alterado por lei estadual, trata-se efetivamente de operação de crédito. Aliás, assim já decidiu a Secretaria do Tesouro Nacional ao editar o Ofício Circular nº 14/2003 E, claro, terá que prestar garantia também porque sem isso o investidor não aparecerá.





      A operação amplia o rol de benefícios fiscais generosos. É cessão onerosa e implica deságio. O que impedirá o contribuinte cuja dívida fiscal foi “securitizada”, ou seja, transformada em papel negociável, de ir ao mercado, adquirir por interposta pessoa seu próprio título, especular, e com isso obter mais um ganho em detrimento dos demais contribuintes, os “otários” que pagam pontualmente seus impostos? Fica violado o princípio basilar da tributação numa república moderna, a igualdade dos contribuintes.



Outros problemas jurídicos graves existem. A exposição de motivos do projeto afirma que não se trata de vinculação de imposto, que é expressamente vedada pela Constituição porque “engessa” o orçamento, com exceções que a própria Constituição estabelece. No entanto, nenhuma das exceções constitucionais possibilita destinação prévia de imposto, como pretendida pelo projeto, ao tipo de operação financeira nele desenhada, o que efetivamente engessará parte dos orçamentos anuais.



      Se o Estado realizar a arriscada operação prevista pelo projeto poderá ficar sujeito a sanções impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, considerando que não há autorização da Secretaria do Tesouro Nacional e do Senado Federal para realizá-la.





      Esse quadro, esboçado sinteticamente, mostra que é necessário que a sociedade passe a um novo plano de reflexão e de debates sobre a questão fiscal. Se os tributos fossem civilizadamente pagos, e o Estado não premiasse tão generosamente inadimplentes, a carga tributária deveria ser menor. Se fôssemos mesmo republicanos na questão fiscal, teríamos mais racionalidade tributária e uma sociedade com um pouco mais de auto- estima. Todos seríamos beneficiados, econômica e moralmente.












quinta-feira, 14 de abril de 2011

O Ovo da Serpente - A Barbárie na Segurança Pública





      Aldo Pereira, ex-editorialista da Folha de São Paulo, publica no Tendências e Debates (edição de 14 de abril da FSP) texto com o título "Crime e Castigo". Um primor de conservadorismo e de apoio conceitual à mentalidade repressiva no campo da segurança pública. Um texto insidioso e perigoso. Reproduzo algumas passagens (em negrito) e comento.




"Continua válido, embora hipotético, o argumento de que punição exemplar inibe disposição criminosa em gente propensa a delinquir."




      O apoio ao  ao endurecimento do sistema penal e ao Estado repressivo  está no uso sutil, melífluo (o "hipotético") do adjetivo “exemplar”. Não se trata de punir apenas, o de que precisamos é de punição “exemplar”. O adjetivo vem jogado num chavão e por  isso quase passa despercebido, mas o sentido que interessa transmitir vai mesmo embutido no  "exemplar". Por que não apenas punir? Por que a punição tem que ser "exemplar"? O que é, afinal de contas, "exemplar" nesse campo? Logo veremos.





"Mas impor sofrimento a delinquentes em nada satisfaz o interesse social; desconsiderada a vingança, interessa à sociedade apenas que os crimes não ocorram."




       Somos forçados pelo texto a concluir que se houvesse "interesse social" nada haveria contra impor sofrimentos graves (exemplares...) a um ser humano. O dito “interesse social” (outra ideia feita que tem um forte efeito simbólico e pode justificar praticamente tudo) é que determina se um ser humano sofre ou não sofre. Nem pensar em discutir valores, princípios ou preceitos éticos válidos em si mesmo.





"Na prevenção de reincidência pode não haver ainda alternativa plausível para, por exemplo, reclusão e concomitantes medidas disciplinares; para isolamento e vigilância no contato com visitas e advogados; para rastreamento por emprego de tornozeleira eletrônica. Mas, em tais casos, o decorrente sofrimento do réu é meramente incidental, não intencional."





      Então chegamos ao ponto crucial: endurecer. Isolamento, uma das formas mais cruéis de tratar um ser humano, tornozeleira eletrônica, como se homens fossem equivalentes a animais com coleiras, e vigilância sobre os advogados. Esta uma ideia regressiva,  pré-iluminista, mas muito usada em regimes totalitários que o articulista certamente detesta, mas pode admitir seus métodos quando lhe interessa. E no final da frase temos os conceitos de sofrimento incidental e intencional. Se impor tais tipos de sofrimento não for uma espécie de perversão da alma, intencional, então não há grande problema. Desnecessário dizer que a frase cabe como justificativa para violação dos direitos humanos básicos em qualquer regime autoritário ou fascista.  Nesta ordem de coisas, fácil montar um argumento para justificar qualquer barbárie cometida pelo Estado. É incidental e ponto final. Mas o melhor ainda está por vir.




"Ponto controverso? Penalistas que se preparem para outros a caminho. Baseados no conhecimento atual da genética e da neurociência, filósofos naturalistas argumentam que a vida de cada pessoa é jogo necessariamente disputado com a mão de cartas recebidas do destino: o legado genético, social e financeiro dos pais, afeto e exemplos recebidos deles, os acertos e erros cometidos em nossa formação. E, afora a decisiva influência parental, todas as oportunidades fortuitas, ao longo da existência, de amizades e inimizades, de amores e desamores, de sanidade e doença, de lucros e perdas. Os naturalistas não propõem daí que sejamos todos inimputáveis. Ainda assim, sustentam que o livre arbítrio, fundamento da responsabilidade ética e penal postulado há séculos por Epicuro (341-270 a.C.), por Lucrécio (circa 96-circa 55 a.C.) e por são Tomás de Aquino (1224-1274), é uma ilusão. Qual o seu veredito?"





      O articulista põe em dúvida a liberdade e joga com a  tese do determinismo. Em termos gerais, o seu conceito é lombrosiano: há pessoas que estão de algum modo determinadas ao crime. Se pudéssemos identificá-las (quem sabe com o avanço da neurociência?) poderíamos ter uma sociedade melhor.  Saberíamos quem pertence, mas está disfarçado entre nós,  a uma sub-espécie, uma raça inferior, algo intermediário entre as bestas e os seres humanos “normais”. Já conhecemos finais de filmes com esse enredo de horror.


      No plano filosófico a coisa toda é ingênua. Filósofos especulam sobre a liberdade humana como ideia a priori porque  sabem que a liberdade não se demonstra no plano da experiência. Aceita-se como axioma ou não (como na Matemática, axioma é um ponto de partida que não se questiona, por definição; se questionado, não é axiomático e não é ponto de partida). Neste momento estou diante de um computador escrevendo. Poderia estar, digamos, correndo no parque Ibirapuera. Não há como saber se houve uma escolha. Fatores de alguma natureza determinaram inexoravelmente esse fato? A possibilidade de fazer algo diverso neste momento é real ou ilusória? Uma resposta não se demonstra. Assumo como axioma que poderia estar fazendo outra coisa e minha vida mental baseia-se nessa conclusão. Testes de neurocientistas jamais poderão demonstrar que, postas as mesmas condições,  indivíduos terão inexoravelmente a mesma conduta e mostrarão os mesmos resultados neurológicos,  psíquicos, de conduta, etc. Poderão demonstrar que isto ocorre com muita frequência, ou que ocorre toda vez que fazem a experiência, mas jamais que ocorre sempre. Não podem provar cientificamente a existência da liberdade humana ou o determinismo.


      Embora nem todo determinismo seja fascista, todo fascista tem na base de seu pensamento uma concepção determinista. Judeus são inferiores e maléficos porque estão racialmente determinados. Ciganos não se adaptam à civilização porque são inferiores desde sempre. Homossexuais são naturalmente pervertidos. Negros são  inferiores. Pessoas sem cultura ou educação formal ficaram  determinadas pela sua origem e formação a serem inferiores. E há  pessoas que estão determinadas para a vida criminosa.


      Sendo a liberdade indemonstrável na experiência, a civilização se funda na ideia de liberdade humana como  axioma. Que aceitamos (mesmo sendo indemonstrável)  ou perdemos o sentido da vida social.  Todos os nossos juízos sobre responsabilidade jurídica, ética, política, social, etc., derivam da aceitação desse axioma. Sem ele, reduzimos a existência a uma forma bruta de natureza. A experiência humana poderia ser apreciada como estética, bela ou feia, agradável ou desagradável, mas a responsabilização de indivíduos perderia sua racionalidade. Teríamos que absolver Hitler por  falta de livre arbítrio. Não há meio termo possível. Não há terceira via. Não é possível ter responsabilidade moral ou jurídica sem a pressuposição do livre arbítrio.


    Os conservadores não rejeitam a ideia de liberdade para questionar filosoficamente a  responsabilização moral ou jurídica. Deixam de lado ilogicamente essa consequência. O determinismo deles aparece para estabelecer diferenças. Há os que estão determinados a serem “normais”. Há os que estão determinados a serem “anormais”. Logo, basta tratá-los do modo que corresponde à sua natureza inexorável.  Com, por exemplo,  tornozeleiras eletrônicas,  o  isolamento que se destina a feras,  a privação de direitos elementares, como o de defesa,   ou simplesmente pela aniquilação, que  é onde esse discurso chega e justifica a política de extermínio  que todo mundo está fazendo de conta que não vê.   Que podemos fazer com pessoas determinadas a serem criminosas? Perdem a condição e a proteção de membros da Humanidade. O primeiro passo para uma política de aniquilação é desumanizar o outro. Como lembrei acima, já conhecemos o enredo e o final do filme. Até quando ele vai passar? Até quando haverá gente disposta a pensar enredos como esse? Há um princípio, que tem validade incondicionada, que diz que seres humanos devem ser tratados com dignidade e respeito. Mas quem não está ainda pronto para assumir isto como preceito ético incondicionado, pode no entanto ficar satisfeito com um argumento prático, de "utilidade social", como quer o articulista. Se o Estado trata seres humanos como bestas, a sociedade será tratada da mesma forma por eles. Estaremos todos condenados à barbárie, num círculo infernal.






quarta-feira, 13 de abril de 2011

CERTAS CANÇÕES de Marcelo Semer. Uma canção do exílio



No lançamento de Certas Canções, de Marcelo Semer,  fiz uma resenha que o site  Terra publicou. Minha impressão do livro foi de uma canção do exílio, mas não de um exílio de espaço, um exílio de tempo. Vai abaixo reproduzido.




PS - o blog do Marcelo está no menu ao lado, "sem juízo". Ele tem ainda uma coluna no Terra, sai toda quarta. Eu ainda não consegui discordar de nenhum texto publicado nessa coluna, de modo que sou suspeito.










                                           As pessoas sentem de modo diferente, cada um a seu jeito,  no entanto em algum momento sentem. Uma vaga angústia, um leve desconforto, uma sensação de estar exilado no espaço ou no tempo: eu não sou daqui, ou meu tempo não é este. É um arquétipo, no sentido de Jung -  uma experiência imemorial, transmitida e acumulada geração após geração, que habita nosso inconsciente e, entre outras funções,   fertiliza o talento de filósofos e artistas. Talvez seja adequado chamá-lo de arquétipo do exílio, ou, talvez, do estrangeiro. No plano erudito, filosófico e religioso, para lembrar só alguns casos, ele  está no mito platônico daquele mundo em que  contemplamos,  antes da existência,  as idéias, as formas perfeitas; no paraíso perdido de quase todas as  religiões; na queda dos anjos;  no estado de natureza de Rousseau, aquele antes da propriedade; no culto à natureza do Romantismo, etc.


                                           Marcelo Semer, Juiz de Direito, ex-jornalista, ex-Presidente da Associação Juízes para a Democracia, estréia na literatura com Certas Canções (Editora 7 Letras, 2008)   dando ao arquétipo do estrangeiro no tempo o conteúdo de sua experiência  de estudante do Largo São Francisco nos anos 80. Nós outros, que também vivemos aquele tempo, somos inteligentemente conduzidos por Semer à sensação de  exílio das  madrugadas no Riviera,  em que resolvemos, com muita cerveja,  o destino da República;  ao exílio das Diretas Já, aquela esperança com óculos compartilhada com  800 mil pessoas  no Anhangabaú; ao exílio da crença nas   figuras políticas daqueles palanques, nas quais, depois de mais de   vinte anos,  contemplamos apenas vulgares projetos pessoais de poder; ao exílio  dos amigos que sumiram no mundo; ao exílio da paixão duplamente impossível, porque sempre há um ente amado que não podemos ter naquele tempo dourado, e  se tivéssemos hoje, o tempo já não seria mais aquele  dourado.


                                           O arquétipo do exílio é pródigo em clássicos na literatura e no cinema. A “madeleine” da Busca do Tempo Perdido (claro, o paulistano Semer põe uma pizza fazendo mais ou menos as vezes de “madeleine”) e  o “rosebud” de Cidadão Kane são lembranças  obrigatórias.  O texto de Semer me trouxe outras recordações, mais próximas de nós, e às vezes, injustamente não tão valorizadas: “Loucuras de Verão” (“American Grafitti”) “Nosso Amor de Ontem” (The Way We Were”) e “Nós Que Nos Amávamos Tanto” (C’eravamo Tanto Amati). Em cada uma delas há um tema que  também habita o diário político-sentimental de Semer. Na primeira,  os anos dourados do mito Kennedy, destroçados pelo próprio na Guerra do Vietnã, tal como vimos destroçada a  talvez ingênua esperança que acalentávamos no grito de  “diretas já”. Na segunda, a  militância esquerdista em um mundo que teima em não mudar,  convivendo com o amor impossível.  Na terceira, os amigos que se amavam tanto,  golpeados pelo tempo e pelas agruras da vida.


                                           Semer não elabora um enredo específico e não providencia uma resolução dramática. Pouco a pouco, o texto, bem humorado e elegante,  meio a  “a clef”, meio diário (apesar da minha implicância com o termo, vamos lá, pós-moderno pela  impossibilidade de se identificar um gênero)  nos apresenta o seu mundo, seus amigos,  suas mulheres e suas canções, entre versos da MPB que espalha pelo texto. A habilidade do narrador  vai nos tornando amigos de seus amigos, e quando nos damos conta estamos na turma dele ou,  talvez,  ele é que esteja naquela nossa turma que também ficou em outro tempo. Tanto faz. Esta comunhão com o leitor prova que o  talento de Semer apareceu na habilidade em reconstruir, com os elementos de sua própria trajetória,  o arquétipo do exílio que está em nosso inconsciente. Justamente aquele que nos lembra, em certos momentos,  que todos temos que nos sentir  estrangeiros neste mundo torto.









[1]Publicado no Terra Magazine (site Terra) em abril de 2008

terça-feira, 12 de abril de 2011

Zizek vem ao Brasil. A ignomínia do anti-humanismo de esquerda



Há pouco uma amiga me falava com entusiasmo de seus estudos acadêmicos sobre Zizek. Expressei minhas reservas, mas percebi que preguei no deserto (talvez seja mais feliz agora). Nos últimos dias vi em um blog amigo o anúncio da sua visita ao Brasil. É um dos téoricos da moda na vertente anti-humanista de esquerda, aqueles que não aprendem nada com a História. Segue abaixo trecho de um artigo de Ruy Fausto sobre Badiou e Zizek publicado na revista Fevereiro (ao lado há o link do site). O artigo inteiro está no link

http://www.revistafevereiro.com/01/mkk1.html. Mais do que uma ótima análise, o texto de Ruy Fausto é uma denúncia do horror embutido no pensamento de Zizek






(...)Trata-se da posição que Zizek assumiu no que concerne a certos fatos ocorridos na guerra do Vietnã. Tendo ocupado uma cidade, os americanos, provavelmente por razões de propaganda, tomaram a iniciativa de vacinar (no braço) um certo número de crianças. A cidade veio a ser reconquistada pelos vietcongs. Para eliminar definitivamente a possibilidade de iniciativas como aquelas, que poderiam melhorar a imagem dos americanos perante as populações, os vietcongs simplesmente cortavam o braço das crianças vacinadas. Zizek comenta essa medida: “ (...) ainda que seja dificil sustentar como modelo literal a seguir, esta plena rejeição do Inimigo precisamente no seu aspecto de ajuda “humanitária“ (“in its helping “humanitarian“ aspect“) qualquer que seja o seu custo, deve ser apoiada na sua intenção básica“[xiii]. Apesar da concessiva “mole“ no seu início, como se dizia antigamente não se sabe o que mais admirar nesse texto: se a ignomínia moral do apoio a um ato cruel e brutal contra uma criança, ou se a cegueira teórica e prática, de quem supõe – mas supõe mesmo, ou aprecia a violência pelo amor da violência ? – que meios como este podem ajudar numa luta que, em principio, seria um combate por uma sociedade emancipada. A anfibolia é, de novo, de tipo anti-dialético: não se entende que, a partir de certo limite, determinados meios entram em contradição com seus fins e os intervertem.



Diante de tudo isto, cabe a pergunta final : que grau de confusão, no interior da esquerda – o que não significa, deixo claro, que as luzes da direita sejam mais brilhantes – explica esse fenômeno estranho da aceitação de um discurso como esse por parte de muita gente (e nem sempre medíocre), enquanto modelo teórico “interessante“ ou rigoroso de uma política para a esquerda ?"













segunda-feira, 11 de abril de 2011

domingo, 10 de abril de 2011

12 Homens e uma Sentença: um diálogo socrático



         Morreu Sidney Lumet, que fez um clássico absoluto: 12 Homens e uma Sentença, com a estrutura de  um diálogo socrático. Tudo se passa na sala de deliberações de um júri, que nos EUA é composto por 12 homens e exige unanimidade. Um jovem hispânico está sendo julgado por jurados que já "sabiam"  desde o primeiro momento que ele era culpado. Jovem, hispânico, problemático. No exato perfil do preconceito e do estereótipo. E os jurados tinham mais o que fazer,  principalmente livrar-se daquela chatice  sob um  calor  infernal. Um, aliás, louco para não perder o ingresso para o jogo de baseball .Mas o personagem de Henry Fonda - o Sócrates - não está convencido. Nas duas horas de projeção ele destrói  as opiniões irrefletidas, o senso comum,  o preconceito e a superficialidade dos 11 jurados com o poder da razão, e consegue a unanimidade para absolver o réu.  Um perfeito diálogo socrático no sentido de ser uma defesa das possibilidades da razão humana. Vale algumas aulas de filosofia. Anda passando no telecine cult, nas duas versões, a de 1957 e uma mais recente, com Jack Lemmon no papel que foi de Henry Fonda.

sábado, 9 de abril de 2011

STF e o Tratamento Degradante a Presos





O STf decidiu ser de repercussão geral a responsabilidade do Estado por danos morais em decorrência de prisão em condições indignas - RE 580.252 ("Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 5º, III, X, XLIX, e 37, § 6º, da Constituição Federal, o dever, ou não, do Estado de indenizar preso por danos morais decorrentes de tratamento desumano e degradante a que submetido em estabelecimento prisional com excessiva população carcerária, levando em consideração os limites orçamentários estaduais (teoria da reserva do possível)". Min. Peluso já disse publicamente ser absurda a situação (Patricia Massa Arzabe no Facebook)

sexta-feira, 8 de abril de 2011

A Dignidade Humana, por Matthias Mahlmann, da Faculdade de Direito de Zurique (German Law Journal)


http://www.germanlawjournal.com/pdfs/Vol11-No1/PDF_Vol_11_No_01_9-32_GG60_Mahlmann.pdf




Excelente e sintético estudo sobre a idéia de dignidade humana  (publicado no German Law Journal). Tem um raro apanhado histórico sobre o conceito, de Platão a Kant até sua incorporação como princípio jurídico na contemporaneidade. Há uma interessante discussão sobre os "hard cases" ("torturo pra alguém não jogar bomba", coisas assim) em que o professor se sai muito bem. Destaco algumas passagens:

"A garantia da dignidade humana demanda uma absoluta proibição da tortura"

"A dignidade humana significa um valor derivado da  própria humanidade como tal. A reflexão e justificação desse valor não é prerrogativa de uma cultura ou religião"

"A dignidade humana como conceito legal está na raiz de uma teoria  dos direitos fundamentais e ainda joga um papel decisivo nas teorias de legitimação refletidas na cultura legal republicana"

E trecho de grande pertinência  para imensa   parte da magistratura brasileira, que ainda não entendeu o espirito da coisa:

-"A Alemanha, que possui, em comparação com o plano internacional, uma jurisprudência particularmente diferenciada a esse respeito, exemplifica o fato de que o conceito pode ser aplicado com sucesso no cotidiano jurídico".

quinta-feira, 7 de abril de 2011

NA CATEDRAL, EM OUTUBRO DE 1975



     O Ato Ecumênico por Vladimir Herzog foi minha  primeira manifestação política. Calouro da Faculdade de Direito, minha memória é de uma tarde cinzenta caminhando pelo centro velho em direção à Catedral. Um enorme aparato repressivo cercava a região, mas o calouro, com a  fé ingênua e forte de que só os calouros são capazes,  só se deu conta disso pela narrativa histórica anos depois. Liquidada a esquerda armada com assassinatos, torturas e desaparecimentos,  em 1974/1975 a ditadura investiu contra o PCB, que não pegara em armas e insistia na derrota política, não militar, da ditadura. Na ofensiva de 1974 parte do Comitê Central desapareceu: Célio Guedes, David Capistrano, Elson Costa, Hiram Pereira Lima, Itair José Veloso, Jayme Miranda de Amorim, Joo Massena de Melo, José Montenegro de Lima, Luiz Maranhão Filho, Nestor Veras, Orlando Bonfim e Walter Ribeiro. Em 1975 a investida contra o PCB visou jornalistas e intelectuais, culminando com a morte de Herzog. O texto "As Pedras Falarão", que postei ontem, é dedicado à memória de Vladimir Herzog, à memória desses heróis e à memória de todos que, lutando contra a ditadura, foram as vítimas dos crimes contra a humanidade que um Estado democrático não pode esquecer.

Vladimir Herzog