terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

RELATO DE UMA VISITA AO PINHEIRINHO


   O relato que segue foi colhido do facebook. É de Murilo Muraah, que não conheço pessoal ou virtualmente.






No
domingo de carnaval tive a oportunidade de ir pessoalmente a um dos
alojamentos para onde foram levados os moradores de Pinheirinho. Antes
de falar sobre o que vivi por lá, preciso falar de como essa simples
decisão de ver de perto e tentar entender o que aconteceu com eles gerou
medo e desconfiança em pessoas próximas. Cada testemunho de medo era
uma punhalada a mais no peito, porque onde eu enxergava
pessoas, alguém enxergava ligações partidárias, onde eu enxergava seres
humanos, alguém enxergava movimentos sociais, onde eu enxergava homens,
mulheres e crianças, alguém enxergava lideranças disso ou daquilo,
enxergava bandidos, aproveitadores ou sei lá o que mais enxergavam. É
triste ver esse processo de desumanização tão enraizado entre nós,
parece que cada vez mais vamos nos tornando incapazes de enxergar o ser
humano como ele é, não como aparenta ser a partir de uma visão limitada,
mesquinha, interesseira, padronizada. Só me resta convidar a todos a
irem até lá também, pra conversar com as pessoas, ver, ouvir, cheirar,
sentir o que as rodeia. Talvez o contato humano quebre a barreira dessa
desumanização que está presente nas páginas dos jornais, na TV, na
internet. Quanto aos partidos, aos movimentos, às lideranças, não me
meto nessas guerras, pois sei que de todos os lados tem gente disposta a
colocar os próprios interesses acima dos seres humanos.

Seres
humanos... Não me canso de falar! E na visita ao alojamento do Vale do
Sol, foram seres humanos que encontrei. É inexplicável e pode parecer
demagogia, mas a verdade é que desde o instante que cheguei lá,
acompanhado de um grupo de voluntários, me senti tranquilo, me senti em
casa. Eles ali, após perderem suas casas, vivendo espalhados num ginásio
e num campo de bocha, fizeram com que eu me sentisse em casa... Havia
tristeza, é claro, como havia perplexidade, urgência, mas não desespero.
Havia, acima de tudo, respeito e dignidade. A cada doação entregue, a
cada doação devolvida (sim, recebi roupas de volta pois não serviriam
àquela pessoa, assim poderíamos entregar para alguém que de fato fosse
utilizar).

Ouvi um pedido simples, um rapaz queria uma bermuda e
uma camiseta para que pudesse tomar banho e colocar roupas limpas. Ele
veio até mim assim que cheguei com o grupo de voluntários e deixou claro
que era só isso que precisava, que não ia pegar nada mais. Um outro
também pediu apenas uma bermuda e livros, me disse serem fundamentais
para manter a mente sã naquela situação! Entre as doações que estavam no
meu carro, nenhuma bermuda masculina. Pedi desculpas aos dois, que
trataram de agradecer pelo que estávamos fazendo, cheios de bom humor
mesmo vivendo um momento tão delicado de suas vidas. Livros, ainda bem,
tinham alguns! Ele comemorou ao achar um livro do Machado de Assis, foi
organizando os livros e acabou sendo nomeado extra-oficialmente o novo
bibliotecário de Pinheirinho. Foi com ele, o Sr. Faria, que conversei
sobre livros, mas também sobre como estava a vida ali dentro, como havia
sido o processo de reintegração, qual era a visão daquelas pessoas a
respeito de tudo o que estava acontecendo. Ele fez questão de andar
comigo pelo alojamento e me contar sobre como estava o dia-a-dia no
local. Me mostrou o osso da face afundado e a costela quebrada durante a
ação policial, falou com orgulho da ação pacífica da qual participou
antes da reintegração, quando entregou, junto com um grupo de moradores
do Pinheirinho, uma carta ao Alckmin em Campos do Jordão.


Outros moradores me contaram como, além de serem expulsos das próprias
casas, estão sendo jogados de um alojamento para o outro. Ontem fiquei
sabendo que o próprio alojamento do Vale do Sol que visitei foi
esvaziado. Me contaram também que o auxílio-aluguel de R$500,00 não é
suficiente para alugar nada, e mesmo que fosse, de que adiantaria ter
uma casa sem nada dentro, já que tudo o que eles tinham em suas casas
foi destruído? Outro problema, o auxílio é válido por 6 meses, mas
muitos dos desalojados perderam o emprego com esse caos que foi
instaurado pelos nossos governantes e nossa “justiça” (e não causado por
um Tsunami, um furacão, ainda que o efeito tenha sido o mesmo). Como
esperar que pessoas que perderam tudo consigam arcar com os custos de um
aluguel em tão pouco tempo?

Há mesmo uma preocupação
constante, mas há também esperança. Um rapaz disse estar tirando forças
do episódio para construir uma vida melhor. Falou que estava acomodado
com o padrão de vida que tinha, mas que agora só pensa em trabalhar pra
recuperar tudo, mas quer também arrumar um emprego melhor pra conquistar
coisas que ele não tinha. Vivi também a experiência de me aproximar de
algumas das crianças e ver, em todas, uma força inexplicável. Era nítido
que estavam em condições de saúde e higiene precárias, mas ainda assim
sorriam, brincavam, corriam.

Infelizmente, não vi essa mesma
força nos animais. Quase fui mordido por um cachorro bastante assustado
quando fui fazer carinho nele. Um outro permitiu que eu me aproximasse,
mas tremia muito enquanto eu tentava brincar com ele. De todos os que eu
conheci naquele dia, foi nesse cachorro que vi os olhos mais tristes.


É mesmo grande a força das pessoas de lá, gente que, invariavelmente,
só quer uma coisa, e ouvi isso muitas vezes. Não querem dinheiro do
governo, não querem auxílio-aluguel, nem bolsa isso ou bolsa aquilo. Só
querem o que já tinham e que lhes foi tirado: uma casa pra morar. Alguns
ainda fizeram questão de me convidar para ir até suas casas assim que
tiverem uma. Ali passei algumas horas entre amigos que ainda não
conhecia, entre pessoas que tem muito pra ensinar. Passei alguns
instantes entre seres humanos, distante desse mundo gelado das opiniões
padronizadas, incapazes de ver a imensa insensatez que é a defesa de
qualquer interesse acima do bem estar de um semelhante.

Obrigado Carmen Sampaio,
mulher de força gigantesca que organiza as doações, mobiliza os
voluntários, está presente em todas as visitas aos alojamentos... Mesmo
sem nunca ter vivido lá, virou a cara e o coração de Pinheirinho! Força a
todos os voluntários, a todos que se sensibilizaram e não aceitaram
ficar calados! Força aos moradores de Pinheirinho!

Pinheirinho
existe! Tratores colocaram um bairro com suas casas abaixo, mas não
derrubaram a força e a união destes SERES HUMANOS!



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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

#PINHEIRINHO - EMPRESÁRIOS E CONSCIÊNCIA SOCIAL: CONTRADIÇÃO EM TERMOS?


   Leonardo Sakamoto conta em seu blog (leia aqui ) uma conversa entreouvida. Sujeito já alto, em um bar da Vila Madalena, se vangloria de ser empresário esperto: não paga Previdência. Sonega.



   Estou acompanhando e ajudando no possível Carmen Sampaio. Moça de classe média, moradora do Jardim América, profissional liberal, praticamente largou tudo desde o dia 22 de janeiro para ajuda humanitária ao povo do Pinheirinho. Vai lá todos os dias ( aqui o blog dela, e aqui o facebook).



   O que Carmen e sua rede pessoal estão conseguindo fazer é extraordinário. Dão o conforto possível a pessoas traumatizadas e brutalizadas pelo que - não tenho dúvida nenhuma - deve ser caracterizado como um pogrom, uma espécie de crime contra a humanidade: o despejo violento em uma madrugada de 6 mil pessoas, com a destruição de tudo o que possuíam, casas, bens, pertences. Crianças privadas de uma hora para outra do mais básico dos direitos humanos, a moradia, pressuposto de todos os demais.



   Ao ler o blog do Sakamoto me ocorreu esta esquisita ideia: e se os grandes empresários, os megaempresários, nem estou dizendo o empresário comum, mas aqueles que temos na ponta da língua, que controlam Bradesco, Pão de Açúcar, Votorantim, Itaú, etc., mexessem um dedo?



   E se os empresários que sonegam, como o esperto do blog do Sakamoto, acordassem amanhã e pensassem: "bem, soneguei uns 200 mil ano passado da Previdência. Quer saber de uma coisa? Vou pegar uns vintão, 10%, e ajudar para que aquelas pessoas reconstruam suas vidas. E acho que vou fazer mais! Vou ligar para o Zezinho, o Joãozinho e o Carlinhos, que sonegam pra burro, e vou tomar uma grana deles para o Pinheirinho. Esse dinheiro não era nosso mesmo".



   Em 2011 o Itaú teve um lucro de 14, 621 bilhões. O Bradesco, 11, 028 bilhões.Quanto disso não vem injustificadamente dos nossos bolsos (e dos bolsos do povo do Pinheirinho, trabalhadores com conta bancária muitos deles)? Não vem daquelas taxas absurdas que cobram por tomar nosso dinheiro? Seria uma ideia extraterrestre imaginar que uma ação social liderada por um desses  conglomerados, bancos,  poderia pôr fim, sem nenhum prejuízo para eles, ao sofrimento de tanta gente?



   Meu pai era comerciante, farmacêutico. Eu, garoto de 12 anos, ia ao banco depositar cheques e dinheiro para ele (outros tempos...).Por ter vivido isso, lembro bem de uma coisa. É um segredo histórico. Pouca gente sabe: naquele tempo os bancos pagavam juros pelo dinheiro que ficava em conta-corrente. Sim, isso mesmo que você leu. EM CONTA-CORRENTE.  Em vez de cobrar, por exemplo,  taxas por talão de cheques, os bancos pagavam para a gente deixar o dinheiro lá. Era um mundo estranho aquele, não? O banco ficava com nosso dinheiro, utilizava nosso dinheiro, cobrava juros por empréstimos feitos com nosso dinheiro, e pagavam alguma coisa pra gente! Admirável mundo antigo...Pois é...o golpe reacionário de 64 mudou tudo isso, e construiu esse país do jeito que ele é hoje. Ainda vamos brigar muito para reconstruir uma fração daquele passado.



   Mas volto ao assunto. Não tem por aí um conceito de "empresa com responsabilidade social"? Lembro de ter visto algo em propagandas. E sempre que vejo penso: por que nao pegar o dinheiro da propaganda e aplicar de uma vez  na ação social? Ou  a finalidade é o marketing de "empresa com responsabilidade social"? Ou a finalidade é ganhar uma imagem simpática junto ao consumidor para acumular mais?



  Srs. Empresários. Admito que possam ter posições conservadoras. Admito que defendam a ideia de que ordens judiciais devem ser cumpridas e pronto. Admito que tenham em grande conta o conceito de "lei e ordem". Não concordo, mas aceito. Só não aceito que o conceito de "lei e ordem" exclua a noção de solidariedade social. Não é difícil entender que não são conceitos excludentes: "ok, eles estavam onde não deviam, mas não precisam ter suas vidas destruídas, vou fazer algo por eles". Nem vou pedir que entendam que  a acumulação que conseguem se origina do esforço de TODA  a sociedade. Daqueles que limpam suas privadas, que pavimentam os caminhos por onde passam seus carrões, que fazem faxina nas escolas de seus filhos, que vendem diretamente sua forças de trabalho a vocês, que arriscam suas vidas subindo em postes para que haja energia elétrica, que escalam suas paredes pendurados em cordas para pintar cores agradáveis, que suam para construir o ar condiconado que torna suas noites calorentas tão confortáveis...a lista seria infindável...



   Por fim, queria dizer algo aos companheiros que possam ter restrições ao "assistencialismo". Essas pessoas não vão receber caridade. Elas tem direito a isso. Fazem parte da sociedade, estão integradas ao ciclo produtivo. Os velhos que estão lá tem uma vida inteira de trabalho que significa uma fração de tudo que temos agora para que a sociedade funcione. As mães que estão lá criam seres humanos que vão se integrar a esse ciclo produtivo. Tudo faz parte de tudo.



   Enfim, é por Justiça. E se não fosse, bastaria ser por compaixão. São dois entes lógicos que nem sempre andam juntos. Quando andam, é impossível não ver. Precisa ser daquele tipo de cego que não vai enxergar mesmo, nunca, para todo o sempre cego.



   

   



  

  

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

NOAM CHOMSKY: O TERRORISMO DE ESTADO NORTE-AMERICANO




(Pelo  "Viomundo)



"Um passo mais adiante, para minimizar os princípios da Carta Magna,
foi dado quando o Presidente Obama assinou o Ato de Autorização da
Defesa Nacional, que codifica as práticas de Bush-Obama para prender
indefinidamente, sem direito a julgamento, sob custódia militar.




Esse tratamento agora é obrigatório nos casos do acusados de ajudar
as forças inimigas durante a “guerra ao terror”, ou são opcionais se os
acusados forem cidadãos americanos.




A dimensão da medida é ilustrada pelo primeiro caso de Guantánamo a
ser julgado durante a administração Obama: o de Omar Khadr, um
ex-soldado criança acusado de crimes hediondos ao tentar defender a vila
afegã onde morava quando ela foi atacada por forças dos EUA. Capturado
aos 15 anos, Khadr ficou preso, durante oito anos, em Bagram e
Guantánamo, até ser levado a um tribunal militar, em Outubro de 2.10,
quando pode escolher entre se declarar inocente e ficar para sempre em
Guantánamo ou se declarar culpado e servir mais outo anos. Khadr
escolheu o último."





Por Noam Chomsky, no Truthout


George Orwell cunhou o termo “não-pessoa”, muito útil para as
criaturas que têm suas existências negadas porque não toleram a doutrina
do estado. Podemos somar o termo “sem-história” para nos referir às
não-pessoas expurgadas da história em bases semelhantes.

A falta de história das não-pessoas ganha destaque nos aniversários de
morte. Os importantes são, normalmente, comemorados com solenidade
quando é apropriado: Pearl Harbor, por exemplo. Alguns não são, e
podemos aprender muito sobre nós mesmo retirando-os da lista dos
sem-história.


Neste momento não estamos marcando um evento de grande significado
humano: o aniversário de 50 anos da decisão do Presidente Kennedy de
deflagrar uma invasão direta no Vietnã do Sul, que logo se tornaria o
caso de crime de agressão mais extremo desde a Segunda Guerra Mundial.


Kennedy mandou a Força Aérea bombardear o Vietnã do Sul (em Fevereiro
de 1962, centenas de missões já tinham voado); autorizou a guerra
química para destruir as plantações e matar de fome até a submissão a
rebelião popular; e deu início ao programa que em última análise
expulsou milhões de moradores do campo para as favelas dos centros
urbanos, virtuais campos de concentração, ou “Hamlets Estratégicos”. Lá,
os moradores estariam “protegidos” da guerrilha que, como a
administração americana sabia, eles estavam dispostos a apoiar.


Esforços oficiais para justificar os ataques eram fracos e mais do
que tudo, fantasiosos. Foi típico o discurso do presidente para a
Associação Americana de Editores de Jornais, no dia 27 de Abril de 1961,
quando ele avisou que “nós enfrentamos um movimento de oposição no
mundo, uma conspiração monolítica e sem lei, que se apoia,
principalmente, em métodos secretos para expandir sua esfera de
influência”. Nas Nações Unidas, em 25 de Setembro de 1961, Kennedy disse
que se a conspiração alcançasse seus objetivos em Laos e no Vietnã, “as
cercas seriam escancaradas”.


O resultado de curto prazo foi documentado pelo muito respeitado
especialista em Indochina e historiador militar Bernard Fall – nenhuma
pomba (pacifista), mas um desses que se preocupava com as pessoas de
países atormentados.


No começo de 1965 ele estimou que cerca de 66.000 vietnamitas do sul
tinham sido assassinados entre 1957 e 1961; e outros 89.000 entre 1961 e
Abril de 1965, quase todos vítimas do regime cliente dos EUA ou “do
peso massacrante das armaduras americanas, do napalm, dos bombardeiros
aéreos e, finalmente, dos gases que provocam vômitos”.


As decisões foram mantidas nas sombras, como são as consequências,
que persistem. Para mencionar apenas um exemplo: “Schorched Earth”, de
Fred Wilcox, o primeiro estudo sério do impacto horroroso e persistente
da guerra química contra os vietnamitas, surgiu há poucos meses – e
provavelmente vai se juntar a outros trabalho de não-história. O cerne
da história é o que aconteceu. O cerne da não-história é fazer
“desaparecer” o que aconteceu.


Em 1967, a oposição aos crimes cometidos no Vietnã do Sul atingiu uma
escala importante. Centenas de milhares de tropas americanas estavam
agindo de forma destrutiva no Vietnã do Sul e áreas de grande densidade
populacional eram vítimas de bombardeios intensos. A invasão tinha se
espalhado par ao resto da Indochina.


As consequências se tornaram tão horrendas que Bernard Fall previu
que “o Vietnã, como entidade cultural e histórica… está ameaçado de
extinção…, enquanto o campo literalmente morre sob os ataques da maior
máquina militar jamais lançada contra uma área deste tamanho”.


Quando a guerra terminou oito devastadores anos mais tarde, a opinião
majoritária estava dividida entre os que a chamavam de uma “causa
nobre” que poderia ter sido vitoriosa com mais dedicação; e o extremo
oposto, os críticos, para os quais havia sido “um erro” que se mostrou
muito caro.


Ainda estava por vir o bombardeio da sociedade camponesa do norte do
Laos, de uma magnitude que as vítimas passaram anos vivendo em cavernas
para sobreviver; e pouco depois o bombardeio da zona rural do Camboja,
que ultrapassou o nível da soma dos bombardeios aliados no Pacífico,
durante a Segunda Guerra Mundial.


Em 1970, o Assessor de Segurança Nacional dos EUA, Henry Kissinger,
ordenou “a campanha de bombardeio massivo no Camboja. Tudo que voa em
tudo que se move” – uma ordem de genocídio como raramente se viu em
documentos arquivados.

Laos e Camboja eram “guerras secretas”, nelas a documentação era escassa
e os fatos ainda são pouco conhecidos do público geral e até mesmo das
elites educadas que, ainda assim podem recitar de memória os crimes,
reais ou alegados, dos inimigos oficiais.


Em três anos nós poderemos –  ou não – comemorar outro evento de
grande relevância contemporânea: o aniversário de 900 anos da Carta
Magna.


Este documento é a fundação do que a historiadora Margaret E.
McGuiness, ao se referir aos julgamentos de Nuremberg, aclamou como “um
tipo de legalismo particular dos americanos: punição apenas para os se
podia provar que eram culpados através de um julgamento justo com uma
panóplia de proteções processuais”.


O Grande Capítulo declara que “nenhum homem livre” deve ser privado
de direitos “com exceção do julgamento legal de seus pares e da lei
local”. Os princípios foram expandidos depois para se aplicarem aos
homens em geral. Eles cruzaram o Atlântico e entraram na constituição
dos EUA e na Lei dos Direitos, que declarou: nenhum pessoa pode ser
privada de seus direitos sem o devido processo e julgamento rápido.


Os fundadores (da democracia americana), claro, não tinham a intenção
de usar o termo “pessoa” para designar todas as pessoas. Os índios
americanos não eram pessoas. Nem os escravos. As mulheres raramente eram
pessoas. Ainda assim, vamos nos prender ao cerne da noção que presume
inocência, o que foi relegado a categoria de não-história.


Um passo mais adiante, para minimizar os princípios da Carta Magna,
foi dado quando o Presidente Obama assinou o Ato de Autorização da
Defesa Nacional, que codifica as práticas de Bush-Obama para prender
indefinidamente, sem direito a julgamento, sob custódia militar.


Esse tratamento agora é obrigatório nos casos do acusados de ajudar
as forças inimigas durante a “guerra ao terror”, ou são opcionais se os
acusados forem cidadãos americanos.


A dimensão da medida é ilustrada pelo primeiro caso de Guantánamo a
ser julgado durante a administração Obama: o de Omar Khadr, um
ex-soldado criança acusado de crimes hediondos ao tentar defender a vila
afegã onde morava quando ela foi atacada por forças dos EUA. Capturado
aos 15 anos, Khadr ficou preso, durante oito anos, em Bagram e
Guantánamo, até ser levado a um tribunal militar, em Outubro de 2.10,
quando pode escolher entre se declarar inocente e ficar para sempre em
Guantánamo ou se declarar culpado e servir mais outo anos. Khadr
escolheu o último.


Vários outros exemplos ilustram o conceito de “terrorista”. Um deles
é o de Nelson Mandela, retirado da lista de terroristas apenas em 2008.
Outro foi Saddam Hussein. Em 1982 o Iraque foi retirado da lista de
estados que apoiam o terrorismo para que a administração Reagan pudesse
fornecer ajuda a Hussein, que acabara de invadir o Iran.


Acusações são caprichosas, sem revisão ou recursos, e comumente
refletem objetivos de política – no caso de Mandela, para justificar o
apoio do Presidente Reagan aos crimes do Estado de Apartheid para se
defender do “grupo terrorista mais notório do mundo”: o Congresso
Nacional Africano de Mandela.





 













quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

JOSÉ OSÓRIO, DESEMBARGADOR DO TJ: REINTEGRAÇÃO DO PINHEIRINHO ERA INCONSTITUCIONAL







Folha de São Paulo, 9 de fevereiro, Tendências e Debates.





"Decisão judicial não se discute, cumpre-se? Apenas em casos
corriqueiros, mas não quando pessoas indefesas são atingidas; o direito
não é monolítico"





 


Ainda o Pinheirinho



Decisão judicial não se discute, cumpre-se? Apenas em casos
corriqueiros, mas não quando pessoas indefesas são atingidas; o direito
não é monolítico

Os fatos são conhecidos: uma decisão judicial de reintegração de posse
sobre uma favela. A ocupação começou em 2004, por pessoas necessitadas
de moradia.





Segundo a Folha, a proprietária obteve reintegração liminar em
2004. Durante um imbróglio processual, os ocupantes permaneceram. Em
2011, uma nova decisão ordena a reintegração. Foi essa a ordem que o
Poder Executivo cumpriu no dia 22 de janeiro, com aparato policial,
caminhões e máquinas pesadas.





A ordem era, porém, inexequível, pois, em sete anos, a situação concreta
do imóvel e sua qualificação jurídica mudaram radicalmente.





O que era um imóvel rural se tornou um bairro urbano. Foi estabelecida
uma favela com vida estável, no seu desconforto. Dir-se-á que a execução
da medida mostra que a ordem era exequível. Na verdade, não houve
mortes porque ali estava uma população pacífica, pobre e indefesa.





Ninguém duvida da exequibilidade física da ordem judicial, pois todos
sabem que soldados e tratores têm força física suficiente para "limpar"
qualquer terreno.





O grande e imperdoável erro do Judiciário e do Executivo foi prestigiar
um direito menor do que aqueles que foram atropelados no cumprimento da
ordem.





Os direitos dos credores da massa falida proprietária são meros direitos
patrimoniais. Eles têm fundamento em uma lei também menor, uma lei
ordinária, cuja aplicação não pode contrariar preceitos expressos na
Constituição.





O principal deles está inscrito logo no art. 1º, III, que indica a
dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República. Esse
valor permeia toda a ordem jurídica e obriga a todos os cidadãos,
inclusive os chefes de Poderes.





As imagens mostram a agressão violenta à dignidade daquelas pessoas.
Outro princípio constitucional foi afrontado: o da função social da
propriedade. É verdade que a Constituição garante o direito de
propriedade. Mas toda vez que o faz, estabelece a restrição: a
propriedade deve cumprir sua função social.





Pois bem, a área em questão ficou ociosa por 14 anos, sem cumprir função
social alguma. O princípio constitucional da função social da
propriedade também obriga não só aos particulares, mas também a todos os
Poderes e os seus dirigentes.





O próprio Tribunal de Justiça de São Paulo já consagrou esse princípio
inúmeras vezes, inclusive em caso semelhante, em uma tentativa de
recuperação da posse de uma favela. O tribunal considerou que a retomada
física do imóvel favelado é inviável, pois implica uma operação
cirúrgica, sem anestesia, incompatível com a natureza da ordem jurídica,
que é inseparável da ordem social. Por isso, impediu a retomada. O
proprietário não teve êxito no STJ (recurso especial 75.659-SP).





Tudo isso é dito porque o cidadão comum e o estudante de direito
precisam saber que o direito brasileiro não é monolítico. Não é só isso
que esse lamentável episódio mostrou. Julgamento e execução foram
contrários ao rumo da legislação, dos julgados e da ciência do direito.





Será verdade que uma decisão tem de ser cumprida sempre? Só é verdade
para os casos corriqueiros. Não para os casos gravíssimos que vão
atingir diretamente muitas pessoas indefesas.





Estranha-se que o governador tenha usado o conhecido chavão segundo o
qual decisão judicial não se discute, cumpre-se. Mesmo em casos menos
graves, os chefes de Executivo estão habituados a descumprir decisões
judiciais. Nas questões dos precatórios, por exemplo, são milhares de
decisões judiciais definitivas não cumpridas.









quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O IMPACTO DE UM VÍDEO DO PINHEIRINHO




   Só não tendo um resquício de humanidade é possível ficar indiferente a esse vídeo. Foi feito por Carmen Sampaio, que está todos os dias indo a São José dos Campos para levar ajuda humanitária.


segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

VLADIMIR HERZOG







                                       A Comissão da Verdade está chegando. A Folha de São Paulo entrevistou na edição de ontem, 5 de fevereiro, o fotógrafo da grotesca farsa do  "suicídio". O texto abaixo foi publicado em 2005, no Boletim da Associção Juízes para a Democracia, por ocasião dos 30 anos do assassinato de Vlado.





                                  Há 30 anos,
em 25 de outubro de 1975,  Vladimir
Herzog foi torturado até a morte em dependência do II Exército de São Paulo. O
repúdio ao assassinato iniciou a história do desafio aberto  à ditadura militar após o AI-5. Os atos de
coragem  que se seguiram fazem parte do
processo de luta pela civilização e contra a barbárie no nosso país: a recusa
do rabino Sobel à versão do suicídio, autorizando o sepultamento em cemitério
judeu consagrado; a audácia do Cardeal Arns; a presença silenciosa e resoluta
de 6 mil pessoas no ato ecumênico da Sé; a sentença do juiz Marcio José de
Moraes em 1978 declarando, sob a vigência do AI-5, a ilegalidade da prisão e
afirmando que o jornalista sofrera tortura. Jamais a história da liberdade de opinião,
de expressão e de organização política em nosso meio poderá ser escrita sem a
menção desses atos de coragem.


                                  Neste
marco dos 30 anos do assassinato de Herzog, 
homenageamos a sua trajetória 
digna de cidadão e de jornalista que fez de seu ofício um modo de lutar,
com palavras e imagens,  contra o
obscurantismo e   a barbárie que acabou
por vitimá-lo, e que ainda persiste na vida contemporânea. A violência ainda é  meio de ação política. Pratica-se ainda o
extermínio de seres humanos com a finalidade de 
impor as próprias convicções e interesses. Recusa-se ainda a liberdade
do outro de viver como um ser pleno, sem qualquer tutela. Em porões policiais,
tantos  dias são ainda 25 de outubro de
1975.


                                  A
lembrança da morte de Herzog torna-se, assim, 
a constatação de que tudo que conduziu a ela  faz parte do presente.  Deste sombrio presente que  brasileiros e cidadãos de boa vontade de todo
o mundo devem transformar, dando sentido 
às suas vidas por meio da  luta
contra a barbárie, pela esperança, pela paz e pela vida.


                                  Este
número do boletim da Associação Juízes para a Democracia é dedicado a Vlado,
judeu, militante da justiça social, 
jornalista e cidadão brasileiro.





        






                                 


                                   

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Matéria da Carta Capital sobre Pinheirinho




   Matéria da Carta Capital sobre Pinherinho. Declarações de Fabio Konder Comparato, José Damião de Lima Trindade, Wálter Fanganiello Maierovitch,  José Henrique Rodrigues Torres, da Associação Juízes para a Democracia, e deste blogueiro.



Veja a matéria aqui