sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

NO "VI O MUNDO", DE AZENHA



Marcio Sotelo Felippe: A vendedora de ovos e os perdigotos









Hegel contava a história da vendedora de ovos. A moça bonita foi
reclamar que os ovos que comprara estavam podres. A vendedora, uma
velha senhora, responde: “quem você pensa que é para reclamar comigo?
Teu pai é um inútil, tua mãe uma vadia que fugiu com um francês e
ninguém sabe de onde vem o teu dinheiro”.


Hegel queria mostrar como um conflito pode ser tratado de modo
enviesado e a argumentação sobre o fato concreto, que é o que importa,
obscurecida. Os ovos estavam podres, ainda que a moça fosse mesmo
prostituta, o pai um inútil e a mãe adúltera. No entanto, dito isto, a
questão do apodrecimento dos ovos desaparece.


Quando Reinaldo Azevedo polemiza com alguém usa a estratégia da
velhinha dos ovos. Basta passar os olhos pelos seus posts. Alguém que
lhe criticou solta perdigotos. O pai de Vladimir Safatle é
latifundiário improdutivo. Ao polemizar com a brilhante psicanalista
Maria Rita Kehl, procura atingi-la profissionalmente.


Em seu post de ontem, respondeu às críticas que lhe fiz por distorcer
a nota da Associação Juízes para a Democracia (AJD) sobre os recentes
acontecimentos da USP. A nota dizia a coisa mais óbvia da democracia: a
lei ordinária deve estar de acordo com a Constituição e respeitar os
direitos fundamentais. Usava uma linguagem diferente para dizer essa
coisa elementar. Como a expressão usada pela AJD era inusual, (cimo da
Constituição) prestou-se à manipulação do colunista. E eu sou
apresentado como “poderoso” por conta de um cargo que deixei de exercer
há 11 anos. Sutil. Se um “poderoso” o ataca, ele, que insulta, passa a
ser a vítima.


No dia anterior, um amigo me dizia que haveria resposta dele.
Respondi na hora: se responder, Reinaldo Azevedo vai usar a estratégia
da velhinha dos ovos. Não deu outra. Ninguém lhe disse que eu solto
perdigotos. Então, escarafunchou a minha vida pessoal e achou o mote:
minha mulher é juíza e é da AJD. A mensagem é clara: estou defendendo
minha mulher. Tudo o mais fica em segundo plano. Se eu digo que ele usa
expedientes macarthistas, que expõe, consciente e irresponsavelmente,
os dirigentes da AJD ao nominá-los um a um, ele, incorporando a
velhinha dos ovos, fala da minha mulher. Como falou dos perdigotos e do
pai de Safatle.


Agora vejamos o seu post de 9 de dezembro, após tudo que relatei: “blogueiros
a soldo do oficialismo, que pagam as contas com o nosso dinheiro,
criaram o mito de que ofendo as pessoas. Já aconteceu, sim, aqui e ali,
coisa rara, mas em questões pessoais — e nunca sem ter sido atacado
antes. Mas deixei isso de lado. Quando se trata de um tema público,
nunca! Nada de ofensas!



Vejam bem: se se trata de um tema público, ele nunca ofendeu…


Vou explicar como funciona a coisa. Quando elege alguém como inimigo
político, Reinaldo Azevedo introduz de algum modo um aspecto pessoal
negativo. Nesse momento seus leitores ficam envolvidos numa atmosfera
complicada. O clima que se estabelece é do tipo “vou lhe contar um
segredinho terrível sobre fulano. Sabe, ele solta perdigotos; sabe, o
pai dele é um latifundiário complicado”. Os argumentos que aparecem no
resto do texto pouco importam. O trabalho sujo está feito. O adversário
está desqualificado. A ideia é humilhar, operar com as baixas emoções,
com o ressentimento, com o ódio. Se o leitor não gostava de
esquerdistas por razões políticas, agora não gosta de esquerdistas
porque eles são pessoas ruins, desprezíveis, repugnantes.


O leitor há de perceber onde isso pode chegar. A História está
repleta de exemplos. Quando, em vez de ideias, as pessoas são
desqualificadas, o clima para coisas ruins vai sendo criado. O
primeiro passo é esse: apresentar o adversário político como alguém que
não merece respeito como pessoa. A grande vítima dessa estratégia é o
processo democrático. Na democracia, ideias são discutidas. Não o pai,
os perdigotos ou a mulher.


terça-feira, 6 de dezembro de 2011

REINALDO AZEVEDO E VEJA: A TORPEZA COMO POLÍTICA


                                  



                                  Reinaldo
Azevedo postou em seu blog violento ataque à Associação Juízes para a
Democracia. O motivo foi a nota em que a entidade de juízes fez críticas à
conduta da  reitoria da USP e das
autoridades nos  recentes episódios
envolvendo aquela Universidade.






                                 A nota da AJD  também motivou materia da Veja.  Ilustrada com uma foto da suástica nazista.
Inacreditável.


                                 No texto de
Reinaldo Azevedo há dois aspectos que merecem atenção das pessoas razoáveis e
lúcidas do país.


                                 O primeiro –
que foi também o mote da Veja -  é a
desonesta manipulação de um conceito básico das democracias contemporâneas.


                                 A nota da AJD
diz, em certa passagem,  que a lei, seja em si mesma, seja na sua aplicação,
deve ser recusada se contrariar princípios constitucionais.


                                 Acontece todos
os dias nas sociedades democráticas.  
Nas decisões dos tribunais, juízes ou administradores públicos.  Do ponto de vista dos cidadãos, relaciona-se
com o  conceito de desobediência civil,
tal como praticado por Gandhi e Martin Luther King, filosoficamente consolidado,
ainda que de escassa repercussão prática. No conflito entre uma regra positiva  e
a moralidade, prevalecem a moralidade e os princípios constitucionais.



                                Mas o colunista pinça a frase para dizer
que os juízes estão atacando o Estado de Direito e a idéia de supremacia da
lei. Os juízes da AJD fizeram rigorosamente o contrário. Defenderam o Estado de
Direito,  a ordem constitucional e a
moralidade.


                                 Isto se  chama delinquência intelectual. Mostra a inacreditável
má-fé e desonestidade  do colunista. Podia ser  burrice, mas não parece ser o caso de se
atribuir burrice a Reinaldo Azevedo. É o porta-voz das trevas, simplesmente.


                                 O segundo
aspecto. Após conduzir, maliciosamente, seus leitores à conclusão de que a AJD
é uma perigosa entidade subversiva que pretende destruir a democracia, nomina, um a um, os dirigentes da entidade.


                                 Isto se
chama  delinquência política. Que também
atende pelo nome de fascismo.


                                 Neste momento o
colunista ingressou  na infame galeria
em  que figuram, entre outros,  Joseph McCarthy e o jornalista Claudio
Marques.


                                 McCarthy, como
os leitores devem lembrar,  foi o senador
norte-americano responsável pela “caça às bruxas” nos anos 50, que perseguiu e
destruiu a vida de milhares de pessoas sob a acusação de esquerdismo,   fazendo da delação instrumento de ação
política.


                                 Claudio Marques
foi o jornalista que denunciou Vladimir Herzog como perigoso esquerdista
infiltrado na TV Cultura. Herzog foi preso após 
a infame campanha movida por Claudio Marques,   e o 
fim do episódio todos conhecemos.


                                 Reinaldo
Azevedo vem numa escalada de violência verbal. 
Perdeu a noção de limites. Embriagado pelo sucesso de sua retórica ultradireitista
em certo segmento social, criou um círculo vicioso em que ele e seus leitores
alimentam-se reciprocamente de ódio. Sua linguagem incita o ódio dos leitores,
e o ódio dos leitores  o incita a
tornar-se mais violento e permissivo.


                                 Quem lê “A Chegada do III Reich”, do historiador ingles Richard Evans, identifica esse
mesmo mecanismo na República de Weimar. Figuras semelhantes a Reinaldo Azevedo
pululavam.   O conceito clássico de
fascismo é o uso da violência como instrumento politico. Nenhuma violência
política se viabiliza sem uma etapa anterior anterior de  ódio e violência verbal. Este o papel em que
Reinaldo Azevedo e Veja  se comprazem. O
fascismo não surge por geração espontânea. Germina pouco a pouco com semeadores
desse tipo.


                         Conflitos politicos
resolvem-se, em uma democracia,  por
procedimentos antecedidos por diálogos em que os sujeitos agem racionalmente e
submetem-se a tais procedimentos independentemente de seu resultado. Quem, como
a Veja ou Reinaldo Azevedo, aventura-se no caminho da infâmia e da torpeza recusa  esse diálogo racional e recusa  os mecanismos democráticos. Não se importa
mais com a política democrática,  fazendo falsas
profissões de fé na democracia. Vislumbra apenas o ódio como meio de ação política. Se o ódio não for suficiente, vai recorrer a outro tipo de violência.