quarta-feira, 27 de julho de 2011

FASCISMO: A SERPENTE ROMPE A CASCA DO OVO E PÕE A CABEÇA PARA FORA







      A Europa não prestou
mesmo atenção a  uma de suas melhores
cabeças do século XX. Adorno dizia que Hitler determinou um novo imperativo
categórico: “pensar e agir para que Auschwitz nunca mais acontecesse”.


Um micro Auschwitz  acaba de
acontecer na Noruega. Aparentemente o autor agiu sozinho, mas  parece esperto  o suficiente para saber que seu gesto pode
impulsionar e animar seus iguais, articulados e organizados por toda a  Europa. Espero ser um mau profeta ao prever
que virá mais.


Pensar e agir para que Auschwitz nunca mais acontecesse parece ter sido
tudo o que a Europa não fez após a guerra. Xenofobia,  preconceito e  discriminação grassam lá por toda parte. 


Governos
adotam posturas rígidas contra imigrantes e emitem, com isto,  sinais alentadores para o pequeno Hitler meio
adormecido que repousa na consciência de muitos europeus.


Este pequeno Hitler também anda por aqui, e foi meio que sacudido na
última campanha eleitoral por irresponsáveis que não tiveram escrúpulos de
vender a alma para o diabo para ganhar a eleição, apelando grosseiramente para a
intolerância e o preconceito. 


Perderam a alma e não ganharam a eleição. 


Este pequeno arranhão na casca do ovo foi  suficiente para gerar atos de vandalismo
contra minorias e  ataques a gays e  nordestinos, nas ruas e nas redes sociais. Ou será apenas impressão que estes
incidentes aumentaram após as eleições do ano passado?


Enfim, o que está parecendo é que a serpente rompeu a casca e pôs a
cabeça para fora.


A frase de Adorno está em modo negativo. Não diz o que deve ser feito,
diz o que devemos evitar. Não é difícil formulá-la em  modo positivo. Fatos semelhantes
a Auschwitz, em qualquer dimensão, nunca mais aconteceriam se no planos
político, social, econômico, cultural e educacional a Europa se dedicasse, após
a hecatombe da II Guerra, a shoah e a morte de milhões de inocentes,  a construir na experiência o que o  seu  filósofo maior ensinou: a construção
do conceito universal de homem.   


“Ao entrar o médico na alcova, como
Kant não via já quase nada, eu lhe disse que era o médico que havia chegado.
Kant se levantou, estendeu a mão, e disse algo sobre ‘postos’, pronunciando
esta palavra repetidas vezes em tom obsessivo. O médico, crendo que era uma
pura fantasia ou delírio do enfermo, o aquietou dizendo que no posto estava
tudo bem. Kant então diz: ‘muitos postos, postos de doença’, e acrescentou em
seguida: ‘muita bondade’ e ‘gratidão’ (...) Eu me dei conta do que ele queria
dizer. Queria dizer que seu médico lhe dava uma prova de sua bondade ao visitar-lhe,
apesar dos muitos e muitos postos de trabalho que ocupava. Disse isto ao
médico. ‘Perfeitamente’, comentou Kant, que seguia de pé, com muita dificuldade.
O médico pediu que sentasse. O enfermo não se decidia. Eu conhecia demasiado
bem seu modo de pensar para que pudesse abrigar a menor dúvida acerca da
verdadeira causa de sua vacilação. Falei com o médico e lhe disse que Kant,
cuja finura e correção de modos não o abandonavam nem em seus últimos momentos,
somente se sentaria quando ele, o visitante,  sentasse também. O médico, que parecia pôr em
dúvida a razão de minhas palavras, convenceu-se dela, e quase lhe saíram
lágrimas quando ouviu o enfermo dizer, apelando a suas últimas forças, com a
energia que pode:  ‘o sentimento de
humanidade não me abandonou ainda’. (Relato de Wasianski, criado de Kant,
reproduzido por Ernst Cassirer em “Kant, Vida e Doutrina”, Fondo de Cultura
Económica. Traduzi do espanhol o trecho)

6 comentários:

  1. Entristece-me o fato de que não faltam brasileiros que comungam ideologias com o norueguês Anders Behring Breivik. Não faltam obstáculos ao processo democrático instalado com a Lei Maior.

    Convido-lhe ao blog "Dissencialistas": http://dissencialistas.wordpress.com/

    Grande abraço,
    Stanley

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  2. Dei uma olhada no site, gostei bastante. Abraço

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  3. ótimo texto. Obrigada!

    Peço apenas que reflita sobre o uso da palavra homem nesta frase "a construção do conceito universal de homem."

    Acredito que você quis dizer "ser humano"

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  4. Esta frase é um conceito corrente da Filosofia, usada nestes termos por intelectuais e pensadores. Tem o sentido de ser humano mesmo,evidente, mas não me parece necessário alterá-la, para não perder o fio da tradição filosófica e a remissão indireta a autores que já trabalharam com o conceito (Domenico Losurdo, por exemplo, que no entanto atribui ao marxismo a construção do conceito universal do homem). E havendo o "universal", claro que nenhum gênero está excluído

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  5. Sandra Maria de Oliveira30 de julho de 2011 às 16:20

    Parabéns pelo excelente texto.

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