domingo, 14 de agosto de 2011

LONDRES SEGUNDO BAUMAN: CONFLITO EM NOME DO CONSUMO


   "As classes mais baixas querem é imitar
a elite. Em vez de alterar seu modo de vida para algo com mais
temperança e moderação, sonham com a pujança dos mais favorecidos."



    Reproduzo entrevista de Zygmunt Bauman. Interessa-me destacar um aspecto dessa entrevista. Trata-se de uma  explosão de ressentimento  sem direção ou sentido. A resposta ao aprofundamento de uma política antissocial de exclusão, que caracteriza a atual fase do capitalismo, não expressa uma revolta por justiça, nem o inconformismo moral pela ausência dessa primeira virtude das sociedades, a justiça. A contradição é empírica, não lógica: não se vê um protesto dirigido contra os fundamentos do modo de organização da sociedade, mas um protesto por não ser o beneficiário desse modo de organização.



   Chama a atenção também o contraste com a Praça Tahir. Os egípcios que foram às ruas derrubar Mubarak fizeram protestos pacíficos, organizados, não violentos. Foram bem sucedidos. Uma aula de  civilização à civilizada  Inglaterra. Os acontecimentos de  Londres, como a História já cansou de ensinar,  devem resultar no fortalecimento da direita e  dos aparatos repressivos do Estado. Esse é o caldo de cultura do fascismo. Consultem a história do declínio da República de Weimar e a ascensão do nazismo.




  


LONDRES - Um dos mais influentes acadêmicos europeus, já descrito por
alguns comentaristas mais entusiasmados como o mais importante
sociólogo vivo da atualidade, o polonês Zygmunt Bauman viu nos
distúrbios de Londres uma aplicação prática de suas teorias sobre o
papel do consumismo na sociedade pós-moderna. Um assunto que o
acadêmico, radicado em Londres desde 1968, quando deixou a Polônia após
virar persona non grata para o regime comunista e por conta de uma onda
de anti-semitismo no país, explorou bastante em conjunção com as
discussões sobre desigualdade social e ansiedade de quem vive nas
grandes cidades.



Aos 85 anos, autor de dezenas de livros, como "Amor
líquido" e "O mal-estar da pós-modernidade", Bauman não dá sinais de
diminuir o ritmo. Há cinco anos, no lançamento de "Vida para Consumo",
uma de suas obras mais populares, fez uma turnê por vários países. Em
entrevista ao GLOBO, por e-mail, ele afirma que as imagens de caos na
capital britânica nada mais representaram que uma revolta motivada pelo
desejo de consumir, não por qualquer preocupação maior com mudanças na
ordem social.



- Londres viu os distúrbios do consumidor excluído e insatisfeito.



O GLOBO: O quão irônico foi para o senhor ver os distúrbios se concentrando na pilhagem de roupas e artigos eletrônicos?



ZYGMUNT BAUMAN: Esses distúrbios eram uma
explosão pronta para acontecer a qualquer momento. É como um campo
minado: sabemos que alguns dos explosivos cumprirão sua natureza, só não
se sabe como e quando. Num campo minado social, porém, a explosão se
propaga, ainda mais com os avanços nas tecnologias de comunicação. Tais
explosões são uma combinação de desigualdade social e consumismo. Não
estamos falando de uma revolta de gente miserável ou faminta ou de
minorias étnicas e religiosas reprimidas. Foi um motim de consumidores
excluídos e frustrados.



O GLOBO:Mas qual a mensagem que poderia ser comunicada?



BAUMAN: Estamos falando de pessoas humilhadas
por aquilo que, na opinião delas, é um desfile de riquezas às quais não
têm acesso. Todos nós fomos coagidos e seduzidos para ver o consumo como
uma receita para uma boa vida e a principal solução para os problemas. O
problema é que a receita está além do alcance de boa parte da
população.



O GLOBO:Trata-se de um desafio a mais para as autoridades na tarefa de acalmar os ânimos, não?



BAUMAN: O governo britânico está mais uma vez
equivocado. Assim como foi errado injetar dinheiro nos bancos na época
do abalo global para que tudo voltasse ao normal - isso é, as mesmas
atividades financeiras que causaram a crise inicial - as autoridades
agora querem conter o motim dos humilhados sem realmente atacar suas
causas. A resposta robusta em termos de segurança vai controlar o
incêndio agora, mas o campo minado persistirá, pronto para novos
incêndios. Problemas sociais jamais serão controlados pelo toque de
recolher. A única solução é uma mudança cultural e uma série de reformas
sociais. Senão, a mistura fica volátil quando a polícia se desmobilizar
do estado de emergência atual.



O GLOBO:Jovens de classe baixa reclamam demais
da falta de oportunidades de trabalho e educação. O senhor estranhou não
ter visto escolas pegando fogo, por exemplo?



BAUMAN: Qualquer que seja a explicação dada por
esses meninos e meninas para a mídia, o fato é que queimar e saquear
lojas não é uma tentativa de mudar a realidade social. Eles não se
rebelaram contra o consumismo, e sim fizeram uma tentativa atabalhoada
de se juntar ao processo. Esses distúrbios não foram planejados ou
integrados, como se especulou no início. Tratou-se de uma explosão de
frustração acumulada. Muito mais um porquê que um para quê.



O GLOBO:Mesmo o argumento de protesto contra os cortes de gastos do governo não deve ser levado em conta?



BAUMAN: Até agora, não percebi qualquer desejo
mais forte. O que me parece é que as classes mais baixas querem é imitar
a elite. Em vez de alterar seu modo de vida para algo com mais
temperança e moderação, sonham com a pujança dos mais favorecidos.



O GLOBO:Mais problemas são inevitáveis, então?



BAUMAN: Enquanto não repensarmos a maneira como
medimos o bem-estar, sim. A busca da felicidade não deve ser atrelada a
indicadores de riqueza, pois isso apenas resulta numa erosão do espírito
comunitário em prol de competição e egoísmo. A prosperidade hoje em dia
está sendo medida em termos de produção material e isso só tende a
criar mais problemas em sociedades em que a desigualdade está em
crescimento, como no Reino Unido.







4 comentários:

  1. Ontem fiquei pensando como deve ser a angústia de quem vê esse desfile de ipads, iphones, celulares de última geração, perante o caráter "essencial" que a mídia consumista lhes dá. A sensação de fracasso permeia a todos, hoje, graças a essa ideia de que o sucesso e a grandiosidade de uma pessoa está ligada aos bens materiais que ela possui. Fico imaginando a frustração de uma pessoa alijada de qualquer possibilidade de crescimento profissional - falta de educação de qualidade, por exemplo - diante de uma sociedade que lhe cobra triunfo. A revolta era questão somente de tempo...

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  2. Ah, e enquanto isso o PIG (Veja) tratou o caso como "baderna de jovens riquinhos mimados", com o único intuito de se beneficiar com os ataques a lojas. A elite ainda pensa que manifestação popular é aquela que luta por "pão e terra".

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  3. Marcio, dê uma olhada nesse vídeo, é impactante:
    http://www.youtube.com/watch?v=SQ6eI-XWPrM&list=FLH4wNulB_eVduACUjLbfIDw&index=1

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  4. Bruno, eu vi e postei no facebook. É realmente impactante. A lucidez e clareza dele impressionam muito. É uma indignação e uma ira santas

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